Wednesday, August 30, 2006

cumprimento de sentença - Lei 11.232/2005 - IV

As importantes reformas processuais trazidas pela Lei nº 11.232/05

Por Pedro Luiz Pozza,
juiz de Direito em Porto Alegre (*)

A Lei nº 11.232/05 é o diploma mais importante dos que fazem parte da nova mini-reforma do CPC, iniciada em 2005, e que abrange também as Leis nº 11.187/05, 11.276, 11.277 e 11.280, todas de 2006.

Substancialmente, a Lei nº 11.232/05 modifica o conceito da sentença, muda o procedimento da liquidação daquela, institui o cumprimento da sentença e altera o procedimento da execução provisória. Vejamos algumas das mudanças mais relevantes.

Quanto ao seu conceito, a sentença não é mais o ato do juiz que põe fim ao processo. Conforme o art. 162, § 1º, é o ato que implica uma das situações do art. 267 ou 269, extinguindo o processo sem julgamento do mérito ou resolvendo o mérito, respectivamente. Na segunda hipótese, portanto, não haverá extinção do processo, pois esse continua quando do cumprimento do julgado. Por isso, alterou-se também o caput do art. 463, à medida que com a publicação da sentença o juiz não mais encerra a prestação jurisdicional, que persistirá no cumprimento do julgado.

A despeito das discussões doutrinárias acerca do assunto, nada muda quanto à recorribilidade das decisões judiciais, pois quando o processo for encerrado, caberá apelação; nos demais casos, o recurso cabível é o agravo (de instrumento ou retido).

Relativamente à liquidação (agora regulada nos arts. 475-A a F do CPC, não mais nos arts. 603/611), dispensa-se (art. 475-A, § 1º), em regra, (2) a citação do réu, bastando a intimação do respectivo advogado. Além disso, nos termos do § 2º do art. 475-A, passa-se a admitir que a liquidação seja requerida na pendência de qualquer recurso, em autos apartados. Isso significa que o autor não mais precisará esperar pelo julgamento do recurso de apelação. Agora, o autor poderá requerer a liquidação assim que interposto recurso da sentença e, uma vez liquidada essa, esperar pelo trânsito em julgado para postular o cumprimento daquela (em sendo interposto recurso especial ou extraordinário, o cumprimento será provisório).

O art. 475-B substitui o atual art. 604, nada sendo alterado, todavia, em essência. Assim, conforme o § 2º, continua sendo possível que o juiz requisite os elementos para o cálculo do próprio devedor ou, então, de terceiro, aplicando-se, quanto a este, o disposto no art. 362 do CPC. Desta forma, além da recusa do terceiro caracterizar o crime de desobediência, possível ao juiz tomar todas as providências para obter os dados para o cálculo (busca e apreensão e requisição de força policial).

O art. 475-H dispõe que a liquidação findará com decisão, não mais sentença e, portanto, o recurso cabível será o agravo de instrumento, não a apelação. A liquidação de sentença, portanto, é colocada em seu devido lugar, caracterizando-se como procedimento incidental, deixando de ser uma ação.

Os novos arts. 475-I até 475-R formam capítulo novo, chamado de cumprimento da sentença. Trata-se da mudança mais radical da lei nº 11.232/05, que suprime definitivamente o processo de execução de sentença, (3) passando a mesma a ser cumprida ou efetivada como etapa final do processo de conhecimento, dispensada a formação de um processo autônomo de execução.
Conforme o caput do art. 475-I, em se tratando de obrigação por quantia certa, o cumprimento da sentença far-se-á por execução, sem que isso signifique processo de execução, salvo nas hipóteses do art. 475-N, § único, em que haverá citação do devedor e, portanto, instauração de relação processual até então inexistente.

O § 1º do art. 475-I define a execução definitiva e provisória. Em se tratando de execução fundada em sentença transitada em julgado, a execução será sempre definitiva, ainda que manejado recurso contra a decisão que rejeitar a impugnação ou a exceção de pré-executividade. Ao contrário, se a sentença ainda não transitou em julgado, mas o recurso (especial ou extraordinário) interposto não tem efeito suspensivo, a execução será provisória.

Seguem as alterações com artigo 475-J, dispondo o caput que se o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa (fixada na sentença) ou apurada em liquidação, não efetuar o pagamento em quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento (o percentual constante do anteprojeto era de 20%) e, a requerimento do credor, expedido mandado de penhora e avaliação.

É unânime a posição dos comentadores do dispositivo acerca da desnecessidade de requerimento do credor para a incidência da multa. (4) De qualquer sorte, haverá necessidade de intimação do réu, ainda que por nota de expediente, de que a sentença transitou em julgado, para só assim ter início o prazo para que aquele efetue o pagamento da condenação.

Logicamente, desde que ela seja líquida, dependendo de simples cálculos aritméticos. Se a sentença for liquidada, o prazo iniciará da intimação do trânsito em julgado da decisão da liquidação.

O parágrafo 1º dispõe acerca do auto de penhora e de avaliação, do que será de imediato intimado o executado, pessoalmente ou através de seu advogado ou representante legal, por mandado ou pelo correio, a fim de oferecer impugnação, que passa a substituir os embargos, agora em prazo mais alargado, de 15 dias. Note-se que o prazo só tem início depois de avaliado o bem, seja pelo oficial de justiça, seja pelo avaliador nomeado pelo juiz. Tanto que, conforme o art. 475-L, inc. III, a discussão sobre a avaliação será objeto de impugnação, não de simples petição, como ocorria antes da vigência da lei ora em comento.

Pela letra do parágrafo segundo, conclui-se que o oficial de justiça sempre deverá avaliar os bens penhorados, a não ser que a avaliação dependa de conhecimentos especializados, caso em que o juiz nomeará a avaliador, fixando prazo para apresentação do laudo.

O parágrafo terceiro atribui ao credor a possibilidade de indicar, desde logo, os bens a serem penhorados, quando requerer o cumprimento da sentença.

O artigo 475, letra L, dispõe sobre a impugnação do devedor, que substitui, na hipótese, os embargos do executado, e que pode versar, tão-somente, sobre as seguintes hipóteses: (1) falta ou nulidade da situação, no processo de conhecimento, se a ação ocorreu à sua revelia; (2) inexigibilidade do título, que é a hipótese de sentença sujeita à condição ou termo, conforme o art. 572 do CPC, ainda que o legislador inclua-a, equivocadamente, no excesso de execução (CPC, art. 743, V); (3) penhora incorreta ou avaliação equivocada; (5) (4) ilegitimidade das partes; (5): excesso de execução; (6) (6): qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, a nova ação, a compensação com execução aparelhada, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

O § 2º é novidade, dispondo que é requisito da impugnação, quando alegar o executado excesso de execução, a informação sobre o valor que entende devido, pena de rejeição liminar daquela. Assim, se o devedor diz que não deve os R$ 10.000,00 pretendidos pelo credor, deve declinar qual o valor que entende devido e, não o fazendo, o juiz deverá rejeitar liminarmente a impugnação, não sem antes oportunizar ao devedor nos termos do art. 284 do CPC, a sua emenda.

Lembra-se de que nessa oportunidade já fluiu o prazo de quinze dias para o cumprimento espontâneo da sentença pelo devedor, incidindo, portanto, a multa sobre todo o débito. Desta forma, se o devedor verifica que haverá controvérsia sobre o valor devido, deverá pagar a parcela incontroversa no prazo de quinze dias previsto no caput do art. 475-J, livrando-se da multa, que só incidirá sobre a parcela controversa, se improcedente a impugnação.

O art. 475-M modifica radicalmente o princípio de que a defesa do executado sempre suspende a execução (disposição contida no art. 739, § 1º, do CPC, e que continua a vigorar para as execuções por título extrajudicial), desde que recebidos os embargos.

Doravante, em se tratando de título judicial, a impugnação não suspenderá a execução, salvo se assim dispuser o juiz, e apenas quando reunidos dois requisitos: sejam relevantes os fundamentos da defesa do executado e o prosseguimento da execução possa, claramente, causar prejuízo de difícil ou incerta reparação. Isso impedirá o executado de utilizar-se de defesas meramente protelatórias. Logicamente, o juiz deverá agir com prudência, a fim de que não impor riscos excessivos do devedor.

De qualquer sorte, o § 1º admite que, mesmo sendo atribuído efeito suspensivo à impugnação, o credor possa requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando, nos próprios autos, caução idônea. É Uma espécie de execução provisória, pelo que se aplicam, subsidiariamente, os dispositivos daquela, agora regulados pelo art. 475-O. Persiste, todavia, a possibilidade de prosseguimento da execução, modo definitivo, quando a impugnação for parcial, em relação à parte não impugnada, nos termos do art. 739, § 2º, do CPC.

O § 2º regula a tramitação da impugnação. Assim, se o juiz atribuir-lhe efeito suspensivo, será processada nos próprios autos da execução; do contrário, em autos apartados.

Por fim, o § 3º deixa claro que somente se acolhida integralmente a impugnação, com a extinção da execução, o recurso cabível será a apelação. Do contrário (improcedência ou procedência apenas parcial da impugnação), o recurso será sempre o agravo de instrumento, pois de nenhuma eficácia o agravo retido, haja vista que o processo não subirá ao Tribunal. Reforça o legislador, portanto, que a impugnação não é ação, mas mero incidente processual (7).

O art. 475-O trata da execução provisória, com pequenas alterações em relação ao art. 587 do CPC, e que é revogado.

O § 2º prevê as hipóteses de dispensa de caução, em dois incisos. O primeiro reproduz a hipótese já existente desde a lei 10444/02, que trata do crédito de natureza alimentar de até 60 salários mínimos, quando o credor demonstrar estado de necessidade. O segundo, novidade, permite a dispensa quando o título executivo judicial ainda não transitou em julgado em vista de agravo de instrumento contra a decisão que negar seguimento a recurso extraordinário ou especial, desde que não haja manifesto risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

O novo § 3º dispõe sobre as peças que devem instruir o pedido de execução provisória, hoje chamada de carta de sentença. Permite-se que o advogado declare que as peças que instruem a execução provisória são autênticas, nos termos do § 1º do art. 544.

O art. 475-§ trata do juízo competente para o cumprimento da sentença.

Conforme o inc. I, do CPC, proferido o título executivo em processo de competência originária de qualquer Tribunal, será esse competente para o cumprimento da sentença. Quanto ao inc. II, não houve alteração na sua redação, a qual se mantém incólume desde a vigência do atual CPC. Persiste, pois, a competência do juiz que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, para o cumprimento do julgado.

Mudança importante surge com a introdução do parágrafo único no art. 474-P, que admite, na hipótese do inc. II (processo iniciado perante o primeiro grau de jurisdição), que o exeqüente opte pelo juízo onde o executado possua bens passíveis de penhora ou pelo de seu atual domicílio (se diverso daquele verificado quando do ajuizamento do processo de conhecimento onde proferido o título a ser cumprido).

A modificação é extremamente salutar, pois permite superar entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência no sentido de que o inc II do antigo art. 575 dispunha sobre regra de competência absoluta e, por conseqüência, apreciável pelo juiz de ofício e inderrogável pelas partes.

A partir da vigência da Lei nº 11.232/05, pelo menos em relação ao cumprimento de título executivo proferido em processo que teve início no primeiro grau de jurisdição, abre-se a possibilidade ao credor de buscar a satisfação de seu crédito perante juízo diverso daquele onde proferido o título, seja porque nele se encontram bens a ser penhorados, seja porque ali está, atualmente, domiciliado o devedor.

A medida vem em favor do exeqüente, que pode abreviar a satisfação de seu crédito com a remessa dos autos a juízo diverso, no qual haja bens a serem penhorados ou onde esteja, por ocasião da execução, domiciliado o executado. Note-se que o dispositivo em questão é faculdade do exeqüente, o qual não pode ser imposto pelo juiz da causa, ainda que lhe pareça mais conveniente a medida.

Uma vez remetidos os autos a juízo diferente, passa a ser esse o competente para o julgamento de quaisquer incidentes que surgirem no tramitar da execução, especialmente da impugnação, embargos à arrematação ou adjudicação, assim como embargos de terceiro, perdendo o juízo que proferiu o título qualquer competência para atuar no feito.

Indagação que pode surgir aqui é sobre a atitude do credor, optando pela faculdade do art. 475-P, parágrafo único: remetidos os autos ao juízo por ele indicado, os bens inicialmente encontrados não foram suficientes à satisfação do crédito ou o único existente vem a ser declarado impenhorável em sede de impugnação. Poderá ele escolher juízo diverso, onde agora localizou outros bens ou onde agora se domiciliou o devedor?

Em que pese a omissão do legislador, a resposta é positiva, porque além de instaurar-se execução no interesse do credor, ela deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor (art. 620 do CPC), vez que a necessidade de deprecar os atos executórios implica retardo injustificável na satisfação do credor, assim como maiores ônus ao devedor.

Outra questão que surge quanto ao ponto é sobre a possibilidade de o executado, quando intimado para cumprir a sentença, argüir a incompetência do novo juízo para onde foram remetidos os autos. A resposta também é positiva. Sucede que como o exeqüente nem sempre precisa comprovar a razão da solicitação da remessa dos autos a outro juízo, (8) pode ele requerê-la de má-fé, com o propósito específico de prejudicar a defesa do executado. (9) Tem-se, pois, que o devedor poderá argüir a incompetência do juízo para onde forem remetidos os autos, até que finde o prazo para a impugnação. E sem a necessidade de fazê-lo em autos apartados, pois isso só aumentaria o número de incidentes processuais.

O art. 475-Q reproduz o atual art. 602 do CPC, com algumas alterações. O § 2º é que sofre mudança mais importante, admitindo que a constituição do capital seja substituída pela inclusão do credor na folha de pagamento quando o devedor seja entidade de direito público (o que já permitia a jurisprudência) ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica (o que a jurisprudência do STJ não vinha aceitando). Faculta-se, ademais, fiança bancária ou garantia real, em valor a ser fixado pelo juiz. Ainda que omisso o legislador, essa deve ser suficiente e idônea. O § 4º apenas consagra na lei o que a jurisprudência já vinha admitindo, ou seja, a fixação da pensão em salários mínimos.

Por último, o caput e o § 3º do art. 1102-C, que trata da ação monitória, deixam claro que, constituído o título executivo judicial, aplica-se o disposto no novo capítulo X do título VIII do livro I do CPC, ou seja, o cumprimento da sentença, afastando de uma vez por todas a interpretação, razoável em vista da redação anterior, de que o réu, na ação monitória, não ofertando embargos ao mandado monitório, poderia, posteriormente, ajuizar embargos do devedor com cognição ampla, não restritos às matérias previstas no art. 741 do CPC. Agora, fica claro que a única defesa do réu, sendo revel ou julgados improcedentes seus embargos, é a impugnação à execução, na forma do art. 475-L.

O espírito da lei é, basicamente, assegurar ao credor a satisfação mais célere do direito que foi reconhecido pelo Poder Judiciário, sem prejudicar, de qualquer forma, a defesa do devedor. A aplicação efetiva da lei nº 11.232/05 dependerá, todos sabemos, dos operadores do Direito, a quem concitamos para, no dia-a-dia, tornar efetivas as mudanças legislativas que hoje entram em vigor.

(*) Email: plpozza@viars.com.br
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(1) Juiz de Direito em Porto Alegre, professor da Escola da AJURIS e Mestrando em Direito Processual Civil pela UFRGS. Autor das obras As novas regras dos Recursos no Processo Civil e outras alterações – Leis nº 10.352 e 10.358/01 e 10444/02, A Nova Execução e A Reforma do Poder Judiciário (as duas últimas em co-autoria).

(2) haverá casos, pouco comuns, em que será necessária a citação para a liquidação, nos termos do art. 475-N, § único.

(3) salvo em relação às condenações por quantia certa impostas à Fazenda Pública.

(4) isso decorre da ordem do dispositivo em comento, que trata primeiro da incidência da multa e, depois, do requerimento do credor para a expedição de mandado de penhora e avaliação.

(5) A primeira, a despeito do uso equivocado do termo incorreto, diz respeito às hipóteses de impenhorabilidade (absoluta ou relativa) dos bens constritos, nos termos dos arts. 649 e 650 do CPC e Lei nº 8009/90. A segunda destina-se à discussão sobre a avaliação dos bens penhorados – seja a do oficial de justiça, seja a do avaliador nomeado pelo juiz;

(6) As hipóteses de excesso de execução estão previstas no art. 743 do CPC, que não sofreu alteração.

(7) a solução é a mesma hoje dada à exceção de pré-executividade, que, se acolhida, leva à extinção da execução e, portanto, o recurso cabível é a apelação; rejeitada, a execução prossegue, pelo que o recurso cabível é o agravo de instrumento.

(8) ao menos quanto à alegação de novo domicílio do devedor, diverso daquele verificado por ocasião do ajuizamento da demanda.

(9) por exemplo, o processo pode ter tramitado num Estado da federação e, por ocasião da execução, o credor requereu a remessa dos autos a uma comarca situada em outro extremo do Brasil.

1 Comments:

At 3:48 AM , Blogger Paulo Afonso said...

Caro Dr. Sergio,
O artigo me fez refletir sobre a possibilidade de desdobramento do assunto, ou seja como ficaria a decisão julga o mérito da dívida quitada por força do cumprimento da sentença?

 

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